"A Cadeirada de Datena: reflexões sobre liderança, inteligência emocional e normatização da violência"
- Patricia Mello
- 17 de set. de 2024
- 7 min de leitura
No último domingo, dia 15 de setembro de 2024, durante o debate político entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, transmitido pela TV Cultura, podemos testemunhar as agressões verbais entre José Luiz Datena e Pablo Marçal evoluir para uma agressão física. O episódio, marcado pela violência e pela falta de controle emocional, rapidamente viralizou nas redes sociais. O conteúdo tornou-se viral não apenas pela tosquice da situação em si, mas pela habilidade que, em geral, o brasileiro tem em transformar qualquer situação em piada. Estes dois fenômenos me motivaram a escrever algumas palavras sobre o que vem reverberando em mim.
A cadeirada: mais do que um ato impulsivo
A ação de Datena, ao caminhar pelo estúdio carregando a cadeira, passar por duas pessoas (uma candidata e o mediador do debate) para desferir uma cadeirada em Marçal, revela não apenas falta de inteligência emocional, mas um padrão comportamental enraizado em uma cultura que, historicamente, naturaliza a agressividade masculina como forma de resolução de conflitos. O que se resume na expressão que tem circulado com frequência nas redes sociais: “nem todo homem, mas sempre um homem”.
Isso porque, a liderança patriarcal, se caracteriza pela imposição, pelo autoritarismo e pela busca constante por dominação, e encontra eco em atitudes como esta. A figura do líder como aquele que impõe sua vontade, muitas vezes à força, é um estereótipo persistente em nossa sociedade.
Há quem diga que mulheres também são violentas. Há ainda quem diga que, neste caso, não se tratam de dois homens, mas de dois meninos birrentos. Posso concordar com ambas afirmações. Assim como compreendo a linha de raciocínio de quem defende que foi a liderança patriarcal que nos trouxe até aqui. A isso respondo com uma adaptação da máxima do coaching: o que trouxe a nossa sociedade até aqui não é o que irá nos levar para o próximo nível, como nação, como humanidade, como Planeta. É urgente revermos nossas prioridades, nossos valores, nossas escolhas, nossos comportamentos conscientes e inconscientes.
O que propor como alternativa?
Em contraponto à liderança patriarcal, a liderança matriarcal se destaca pela empatia, pela colaboração e pela busca por soluções consensuais. Líderes matriarcais valorizam a escuta ativa, a inteligência emocional, a comunicação não violenta e a construção de relacionamentos baseados em confiança e respeito. A adoção de um modelo de liderança mais colaborativo e inclusivo poderia prevenir situações de conflito como a ocorrida entre Datena e Marçal.
É importante frisar que modelo de liderança patriarcal x liderança matriarcal não estão intrinsecamente ligados à questões de gênero. É certo que os papéis de gênero são uma construção social e que podem variar de acordo com a cultura e o momento histórico. No entanto, homens podem sim adotar um estilo de liderança matriarcal. Assim como muitas mulheres adotaram e ainda adotam um estilo de liderança patriarcal, por escolha ou por falta de referência de outras mulheres ocupando posições de poder de forma matriarcal.
A liderança matriarcal pode não ser a solução para todos os problemas. No entanto, certamente contribui para o bem-estar coletivo através da empatia e do cuidado, da sustentabilidade, da valorização da diversidade, do pensamento colaborativo e do estímulo à criatividade e inovação.
Caso você seja uma pessoa mais visual, deixo aqui um quadro comparativo.
Comparando Estilos de Liderança | ||
Característica | Liderança Patriarcal | Liderança Matriarcal |
Tomada de decisão | Centralizada | Colaborativa |
Comunicação | Unilateral | Bilateral |
Foco | Resultados a curto prazo | Desenvolvimento de pessoas |
Estilo de gestão | Autoritário | Participativo |
Relações interpessoais | Competitivas | Colaborativas |
A liderança: muito além do poder político
O episódio entre Datena e Marçal nos convida a refletir sobre os diferentes estilos de liderança e seus impactos nas relações interpessoais e nos resultados organizacionais. Talvez um caminho na política não seja para você. Talvez você não ocupe um cargo de liderança dentro de uma empresa. Talvez você seja uma empreendedora e não consiga se enxergar como líder.
Não importa se você ocupa oficialmente ou não um posto de liderança. O fato é que todas nós lideramos. Lideramos dentro de nossa família quando um problema precisa ser resolvido, quando estamos de férias, quando queremos convencer uma criança ou um(a) parceiro(a) a embarcar numa ideia nossa. Lideramos quando criamos conteúdo nas redes sociais para vender nossos produtos e serviços. Lideramos nossa audiência, lideramos aqueles que ainda não nos seguem, mas que são alcançados por nosso post.
Deixo aqui um convite para a reflexão: que tipo de líder você tem sido? Você se orgulha da líder que é? O que precisa ser ajustado na sua liderança?
A inteligência emocional em questão
A falta de inteligência emocional demonstrada por Datena durante o debate é evidente. A incapacidade de controlar as emoções, de ouvir o outro e de buscar soluções pacíficas para os conflitos são características de quem não desenvolveu habilidades socioemocionais adequadas. A inteligência emocional, por sua vez, é fundamental para líderes que desejam construir equipes coesas e alcançar resultados positivos a longo prazo. Líderes emocionalmente inteligentes são capazes de:
Construir relacionamentos sólidos: Ao compreender as emoções dos membros da equipe, os líderes podem criar um ambiente de trabalho mais positivo e colaborativo.
Resolver conflitos de forma eficaz: A inteligência emocional permite que os líderes abordem os conflitos de maneira construtiva, buscando soluções que atendam aos interesses de todos os envolvidos.
Tomar decisões mais acertadas: Ao considerar as emoções e as perspectivas de diferentes pessoas, os líderes podem tomar decisões mais informadas e estratégicas.
Inspirar e motivar as pessoas: Líderes emocionalmente inteligentes são capazes de conectar-se com seus colaboradores em um nível mais profundo, inspirando-os a alcançar resultados excepcionais.
De novo, deixo a pergunta: que tipo de líder você tem sido?
A inteligência emocional não é importante apenas para líderes. Ela é uma habilidade essencial para todos nós em nossas vidas pessoais e profissionais. Pessoas com alta inteligência emocional tendem a ser mais felizes, mais saudáveis e a ter relacionamentos mais satisfatórios.
É muito fácil olhar de fora e afirmar que Datena não teve inteligência emocional. No contraste com ele, pode ser que você afirme que possui inteligência emocional sim pois jamais faria algo assim. No entanto, quando alguém te coloca diante de situações sensíveis e até mesmo traumáticas para você, quando alguém insiste em seguir por um caminho que você já alertou que não lhe faz bem, quando você está sob forte estresse emocional, como você reage? Acredito que provavelmente você não jogue uma cadeira em ninguém, mas quantas cadeiras verbais você já jogou para se defender?
A inteligência emocional é uma habilidade que precisa ser desenvolvida por cada uma de nós, com investimento em autoconhecimento, autoconsciência, auto responsabilização, vulnerabilidade, empatia, sinceridade e gestão do estresse.
O que você tem feito nesse sentido?
A viralização da violência: memes e a normalização do indesejável
A rapidez com que o vídeo da agressão se tornou viral, gerando uma infinidade de memes e piadas, é um reflexo da nossa cultura da instantaneidade e do consumo desenfreado de conteúdo. A violência, transformada em espetáculo, perde sua gravidade e se torna objeto de entretenimento. A proliferação de memes que fazem apologia à agressão contribui para a normalização desse comportamento, tornando-o cada vez mais aceitável em nossa sociedade.
Empresas de diversos setores aproveitaram o episódio para promover seus produtos e serviços, utilizando a polêmica para campanhas publicitárias. Desde empresas do ramo de alimentos até academias de crossfit, a criatividade não tem limites quando o assunto é capitalizar sobre a polêmica. Não faltaram também memes de pessoas comuns dizendo que, às vezes, só queriam resolver seus problemas como o Datena.
Embora a prática da utilização da pauta quente e dos memes que estão em alta seja eficaz, em termos de marketing, não deveríamos simplesmente aderir ao hype do momento sem passar pelo filtro de nossos valores pessoais. Mais ainda, não deveríamos entrar na onda sem parar por alguns minutos para refletir: o que eu comunico quando posto isso?
Acredito que, em muitos casos, as empresas e as pessoas só queriam aproveitar para surfar uma onda, fazer piada e melhorar o famigerado engajamento. Afinal, nenhum professor de crossfit iria bater com uma cadeira em seus alunos. E o mote “Tomou uma cadeirada da vida? Fica tranquilo porque no nosso app a única coisa que vai te derrubar são nossas promoções de pizza e sushi” tem seu toque cômico. Chega a ser criativo associar um incidente político com o ramo alimentício.
No entanto, tudo comunica. Comunica explicitamente e implicitamente. E quando algo tão grave assim se torna piada com tanta facilidade, o que estamos fazendo implicitamente é banalizar ainda mais a violência. Aqui não há o “seria cômico se não fosse trágico”. Nesse caso é só trágico mesmo. Pode parecer exagero, porém não é. Não é possível fazer meme com a cadeirada e depois ficar indignada quando o filho ou o sobrinho é vítima de violência na escola. O meme, neste caso, é só mais um reflexo da cultura patriarcal que precisamos deixar de lado. E volto a insistir, quando estamos nas redes sociais, estamos assumindo uma posição de liderança, não importa a quantidade de seguidores e o grau de engajamento. E é responsabilidade de cada uma de nós nos questionar o que mais estamos comunicando, para além do óbvio.
As consequências da normalização da violência
A normalização da violência tem consequências graves para a sociedade como um todo. A violência doméstica, o assédio moral, a discriminação e a intolerância são apenas alguns exemplos dos problemas que se agravam quando a agressividade é vista como uma forma legítima de resolver conflitos. Além disso, a violência gera um clima de insegurança e medo, dificultando a convivência em sociedade.
O incidente entre Datena e Marçal é um sintoma de uma sociedade que ainda precisa avançar muito em termos de igualdade de gênero, respeito às diferenças e valorização da vida. A cultura patriarcal, a falta de inteligência emocional e a normalização da violência são desafios que precisam ser enfrentados de forma urgente. É fundamental que educadores, líderes empresariais, políticos e a sociedade como um todo se engajem na construção de um mundo mais justo e pacífico, onde a violência não seja mais tolerada nem seja transformada em piada.
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